
Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) classificou o surto da Covid-19 como pandemia. Desde então, vivemos fases de aumento acentuado de casos, as “ondas”, seguida por períodos de menor incidência. Durante o pico das ondas, frequentemente situações de escassez de recursos são relatadas.
O Ministério da Saúde emitiu na sexta-feira 26 de novembro uma “comunicação de risco” sobre a nova variante do coronavírus identificada como B.1.1.529 na África do Sul. No alerta, a pasta afirma que a vacinação “provavelmente” contribuirá na resposta à doença, destaca que medidas como o uso de máscara, o distanciamento social e o isolamento de casos suspeitos são “essenciais” e aponta que, até agora, nenhum caso dessa variante foi identificado no Brasil.
A “comunicação de risco” é um documento produzido pelo Ministério da Saúde para “apoiar na divulgação rápida e eficaz” de dados que ajudem na “tomada de medidas de proteção e controle em situações de emergência em saúde pública”. “Estar vigilante é fundamental”, aponta o documento de 12 páginas.
Com o possível prolongamento da pandemia no Brasil, saber lidar com a escassez de recursos virou componente fundamental no planejamento das redes de saúde. As situações demandam organização não só do ponto de vista de gestão, mas também para quem está à beira-leito, modificando estratégias medicamentosas conforme disponibilidade. A escassez de sedativos e bloqueadores neuromusculares foi marcante desde o primeiro momento da pandemia, tendo em vista um maior número de pacientes graves, sedados e bloqueados, por um período prolongado. Tal cenário não havia sido visto antes nessa proporção.
Em artigo publicado em maio de 2021, na Intensive Care Medicine, Supady e colaboradores trouxeram 10 pontos a serem considerados na implementação de guidelines de racionamento de recursos durante períodos de pandemia. Vamos aos pontos:
- Identificação dos recursos em escassez;
- Todas as vias para obtenção dos recursos devem ter sido esgotadas, antes do racionamento começar;
- Importância da transparência e participação da sociedade;
- Papel de escores prognósticos e idade;
- Reponsabilidade da decisão de racionamento;
- Importância das preferências e metas do paciente;
- Levar em conta pacientes em situação de desvantagem social, pobreza e racismo estrutural;
- Priorização de grupos definidos de pessoas;
- Proteções legais;
- Impacto dos protocolos de triagem e racionamento nos médicos;
Ciência tem papel fundamental no enfrentamento da Covid-19
O médico epidemiologista Pedro Rodrigues Curi Hallal afirma que a ciência fez e continua fazendo o que é possível. Disse que o resultado do impacto da pandemia no Brasil, em referência aos mais de 20 milhões de infectados e mais de 600 mil óbitos, não é por culpa da ciência, mas da anticiência veiculada em grupos do WhatsApp.
Nesse mesmo viés, no começo do ano passado houve o pensamento clínico de que a cloroquina serviria como prevenção, por ser utilizada no tratamento da malária que é doença infecciosa. O medicamento foi testado e não deu resultado. Para Hallal, o pensamento foi válido, mas é inaceitável que ainda haja a insistência de que funciona.
Ao fazer analogia de uso da máscara pelo critério da lógica e consistência sobre a relação do tabagismo com o câncer de pulmão, disse que se de 10 mil estudos cinco mostrarem não existir essa relação, o que prevalece são 9.995. Se for levado em consideração apenas os cinco, “isso não é ciência; é charlatanismo”.
Outro aspecto evidenciado pelo médico foi sobre a letalidade da Covid-19, de no máximo 1%. Portanto, a maioria é de casos leves e o grande problema é o assintomático como o principal disseminador da vírus. A testagem em massa e barreiras sanitárias seriam os meios para reduzir a disseminação.
Conforme Hallal, quando o vírus chegou ao país foram tomadas medidas corretas e erradas, sendo que a mortalidade ficou acima de 2.800 por 1 milhão de habitantes brasileiros, bem acima da média mundial de 700 mortes e que se tirar o Brasil cai para 550. “Esse é um exercício científico que precisa ser feito”, pontuou.
Para o epidemiologista não teria como evitar que o coronavírus chegasse ao Brasil e nem as mortes, “mas não precisava chegar a ser mais 600 mil e a culpa não é do vírus”. No seu entendimento, o primeiro grande erro foi não ter sido feito o básico em relação ao enfretamento à doença: testagem, rastreamento e isolamento.
Outros erros foram não disseminar o uso da máscara; confiar no tratamento precoce e se expor ao vírus diante da falsa sensação de segurança; lockdowns curtos e flexíveis quando deveriam ser longos e rigorosos; e pouca quantidade de vacinas no começo, com muitas pessoas perdendo a vida antes da chance de vacinar.
O pior já passou?
Questionado se a Covid-19 veio para ficar, o infectologista respondeu que sim; porém, em níveis aceitáveis, bem toleráveis. As máscaras somente serão usadas em situações excepcionais, mesmo em casos de gripes. Sobre a vacina, disse ser bastante provável que entre no calendário vacinal, mas não sabe se deverá ser anual.
Em relação ao que esperar daqui para a frente, comentou que prognóstico epidemiológico é bom; que pode existir oscilações para cima, mas ainda assim o número de infectados deve cair. “O Brasil está chegando lá para retomar a vida normal. Com base na realidade dos fatos o cenário é positivo”, expôs.
Ao dizer que a vacina deve ser exigida para manter a evolução do cenário, esclareceu não ser alarmista e que tem uma posição responsável, com o entendimento de que pandemia não ocorre a toda hora e que não é preciso entrar em desespero. “A pandemia não acabou, mas o pior passou. O ano de 2022 será melhor que 2021”, estimou.